O Brasil Inventa a Censura Democrática
Os progressistas só
creem em liberdade para quem concorda com eles. Para os outros, mordaça!
Por GUILHERME FIUZA
Meio século depois
do golpe de Estado que feriu as liberdades no Brasil, um deputado foi impedido
de discursar no Congresso Nacional. Mas não tem problema, porque esse deputado
é de direita. Essa é a noção de democracia dos progressistas que abominam a
ditadura militar: liberdade de expressão para os que falam as coisas certas.
Para quem fala as coisas erradas, mordaça. E quem decide o que é certo são
eles, os progressistas. Eles é que têm o dom da virtude (por coincidência, foi
exatamente isso que os militares pensaram em 1964). Seria cômico se não fosse
trágico: os que carregam a bandeira contra o autoritarismo podem mandar os
outros calar a boca.
O deputado Jair
Bolsonaro é um conhecido defensor da categoria militar. E defende o regime
implantado em 1964. Numa sessão na Câmara dos Deputados que marcava os 50 anos
do início da ditadura, deputados e militantes progressistas impediram Bolsonaro
de falar. Viraram de costas no plenário, cantaram, tumultuaram e cassaram no
grito a palavra do deputado de direita. Esses são os democratas brasileiros que
defendem a liberdade.
Eles dizem que não
podem tolerar a defesa de um regime imposto por golpe de Estado. Será então que
ninguém mais poderá subir à tribuna para defender Getúlio Vargas? Não, isso
pode. Na história em quadrinhos dos progressistas, Getúlio é de esquerda, assim
como Fidel. A esquerda que amordaçou Bolsonaro vive (bem) dessa fábula da
resistência à ditadura – uma ditadura que já acabou há quase 30 anos. É
interessante observar que alguns dos símbolos dessa resistência estão presos
por corrupção. Ou, mais especificamente: presos por roubar a pátria – essa que
dizem defender contra a ameaça conservadora.
Os que estão presos
são aliados dos que governam essa mesma pátria. E todos eles são aliados de
regimes que atropelam a liberdade de expressão, mesma tática da tropa do
deputado Bolsonaro. A diferença é que a tropa de Bolsonaro fez isso no século
passado, e a confraria chavista faz isso hoje. Outra diferença é que os
militares eram autoritários, e os progressistas fingem que não são. Gato
escondido com rabo de fora, como se vê nos projetos do PT para controlar a
mídia – que o governo popular já tentou contrabandear até em programa de
direitos humanos. Eles são assim, sempre bonzinhos, sempre colorindo com
slogans humanitários seus pequenos e grandes golpes. A primeira denúncia do
mensalão, como se sabe, foi classificada pelo companheiro Delúbio como “uma
conspiração da direita contra o governo popular”.
A ação impedindo a
fala de Bolsonaro fere a democracia. Mas ninguém é louco de dizer isso.
Bolsonaro é uma figura grosseira e prepotente, enquanto seus algozes são os
simpáticos heróis da resistência – na percepção cada vez mais abobada da
opinião pública. Para combater o mal, esses revolucionários puros defendem até
black blocs assassinos e continuam bem na foto. A imprensa, as empresas e as
instituições “burguesas” em geral morrem de medo deles e da incrível patrulha
anticapitalista que tomou as redes sociais – onde a burrice se espalha mais
rápido. Os 50 anos do golpe foram transformados numa estranha catarse
anacrônica, com todos os perseguidos pela patrulha progressista gritando
“abaixo a ditadura”. Só faltou denunciar os crimes de Adolf Hitler.
Chega a ser
assustador que, enquanto busca a verdade sobre os desaparecidos e vítimas do
regime brutal, a sociedade democrática fale a língua dos gorilas – e tente
calar seus herdeiros políticos. Que democracia é essa?
O sotaque chavista
é inconfundível. Se Bolsonaro é troglodita, deveria ser facilmente derrotado
com argumentos e inteligência. Mas os heróis da resistência temem sua própria
mediocridade, então preferem falar sozinhos. Nessa democracia seletiva, uma
dissidente cubana foi impedida – no grito – de falar em público no Brasil.
Entre outras ações autoritárias, no dia 31 de março um professor da USP foi
impedido de criticar o comunismo. Estudantes “do bem” invadiram a sala de aula
e abafaram sua voz cantando um samba. Truculência festiva pode.
Talvez o Brasil
mereça mesmo ter como voz única a ex-guerrilheira e eterna vítima da ditadura,
dizendo as coisas certas em rede obrigatória de rádio e TV.
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