Camille Paglia, escritora: "Nós Sufocamos os Homens"
“As
mulheres pedem aos homens que eles sejam o que não são e, quando eles se tornam
o que não são, elas não os querem mais” (Camille Paglia)
Entrevista
concedida a Mariana Barros, publicada em edição impressa de VEJA
A
escritora americana diz que a prevalência dos valores femininos nas casas, nas
escolas e nos governos “apagou” a masculinidade do mapa e deixou os homens
perdidos
As
mulheres ganharam. Ou, pelo menos, a maneira feminina de encarar o mundo vem
levando a melhor – e isso não é necessariamente bom, diz Camille Paglia. Para
ela, a valorização das características associadas às mulheres emparedou os
homens e fez com que certas virtudes masculinas caíssem perigosamente em
desuso.
Em
entrevista a VEJA, a autora de Personas Sexuais mostra que, aos 66 anos,
continua sendo uma fervorosa dissidente do feminismo ortodoxo dos anos 60.
Segundo ela, ao priorizarem o sucesso profissional, as mulheres da sua geração
deram “de cara com a parede” – e em breve verão que as felizes de verdade não
são as ricas e bem-sucedidas, mas as que, em vez de correr atrás do sucesso, se
dedicaram a construir grandes famílias.
As
mulheres venceram?
Nosso
mundo político e econômico certamente não é regido pelas mulheres. Os homens
ainda são maioria, talvez porque seja mais fácil para eles trabalhar
harmoniosamente em equipe.
As
mulheres, porém, reinam nos domínios emocional e psicológico. Valores femininos
como cooperação, sensibilidade e compromisso hoje são promovidos em todas as
escolas públicas dos Estados Unidos e do Reino Unido. Fico
preocupada com isso. Não é responsabilidade escolar moldar ou influenciar o
caráter dos alunos. Então, sim, há uma vitória feminina no sistema de educação,
e é por isso que tantos meninos se sentem sufocados ou presos nesse ambiente
governado por mulheres.
Essa
constatação veio da sua experiência de ser mãe de um menino?
(Camille
adotou Lucien, hoje com 11 anos.) A maternidade apenas confirmou minhas
opiniões. Nos meus trabalhos, sempre parti de uma observação social, e não de
teorias criadas a priori. Ser mãe me permitiu outras descobertas, entre elas a
existência de uma rede de mulheres com enorme poder de organização e capacidade
de administrar o próprio tempo.
Mas os
homens estão mais frágeis?
A
masculinidade tradicional está numa encruzilhada. O que os homens podem ser?
Como eles podem se diferenciar das mulheres? Alguns
não veem problema em receber ordens delas. Mas, para outros, é como se a
masculinidade tivesse sido apagada, como se eles tivessem perdido sua posição
dentro da família. Sentem-se sufocados e precisam estar com outros homens. Aí entram
a pornografia, os clubes de strip-tease, os esportes: é quando os homens
escapam para o mundo deles. Chutar
uma bola no meio do campo é muito revigorante e bom para escapar das mulheres.
Em outras
palavras, elas fazem com que eles se sintam errados o tempo todo?
Sim! Em
uma palavra: sim! Houve um tempo em que homens faziam coisas que as mulheres
não podiam fazer. Então, ninguém questionava se eles “eram homens” ou não. Eu lembro
que, em casa, depois do jantar, os homens ficavam na sala, falavam de carro,
assistiam a algum esporte na TV. Enquanto isso, as mulheres conversavam
arrumando a cozinha. Hoje, elas querem que o homem seja igual à mulher. Querem
falar com ele do mesmo jeito que conversam com as amigas. Isso é
com os gays! Os gays conversam por horas, fofocam, falam sobre a vida pessoal…
Os héteros não. Eles não querem aprofundar-se nos sentimentos.
Há um
grande desentendimento no casamento moderno porque mulheres e homens não têm
tanto em comum assim. Quando nasce uma criança, então, o homem é marginalizado.
Pode escolher entre escapar de casa e ser apenas mais um dos planetas orbitando
ao redor do “Sol”.
Famílias
de classe média são basicamente ambientes femininos. Tudo é bom e gentil, e os
homens têm de mudar seu comportamento para se encaixar nelas. As
mulheres pedem a eles que sejam o que não são e, quando eles se tornam o que
não são, elas não os querem mais. “Ah, meu marido é meu terceiro filho, é meu
bebê.” Ouvimos
isso o tempo todo.
O
problema número 1 é que as mulheres não estão receptivas aos homens. Elas
precisam ouvi-los. O feminismo é duro demais com eles.
Ao longo
do tempo, as mulheres incorporaram alguns atributos masculinos. Diz-se
frequentemente que agora é hora de eles incorporarem atributos femininos. A
senhora não concorda?
Não. No
que diz respeito aos governos ocidentais, por exemplo, a tendência é agirem no
estilo “estado-babá”, cheios de complacência e cuidados, atributos associados
ao universo feminino. Só que isso está incapacitando as nações de ficar
seriamente em alerta contra as ameaças do terrorismo, por exemplo. As
sociedades ocidentais são ingênuas e complacentes ao imaginar que todo mundo é
naturalmente benevolente.
Várias
grandes civilizações entraram em colapso por se apresentar vulneráveis. A
compaixão e a sensibilidade femininas são virtudes positivas, mas as maiores
conquistas nas áreas de cultura e tecnologia ainda requerem certos traços
masculinos, bem como planejar a defesa de uma sociedade sob ameaça de ataque.
Essa
“lacuna” explicaria o fato de existirem poucas mulheres no poder?
O líder
de uma nação tem de ter diferentes atributos. Precisa saber compor, comandar,
controlar os nervos – precisa combinar qualidades masculinas e femininas. Falta
às mulheres uma educação voltada a desenvolver visões de longo prazo,
capacidade de decisão, pensamento militar.
Essa
história de ser carinhosa e ter compaixão já está resolvida – vamos parar de
falar disso. O que não é valorizado como deveria é a capacidade de decisão. E,
do jeito que as mulheres são educadas, não vejo como essa mudança pode
acontecer. Por exemplo: liderar uma nação significa cuidar também de suas
questões militares. Isso requer um tipo de personalidade firme e assertiva. Por
isso, em vez de estudarem questões de gênero, as mulheres que querem ascender
politicamente deveriam estudar história militar e economia.
Não é
fixando proporções – “as mulheres têm de representar 50% dos legisladores” –
que produziremos lideranças. O Brasil não tem a mesma obsessão pela questão
militar que os Estados Unidos, por isso vocês têm uma mulher presidente.
Como a
senhora avalia uma eventual candidatura de Hillary Clinton à Presidência em
2016?
Hillary
Clinton é completamente incompetente. Em tudo o que fez, não obteve êxito. Seu
currículo segue em branco, sem nenhuma grande conquista, exceto ter se casado
com Bill Clinton. É incrível como temos poucas candidatas. Sempre achei que a
senadora democrata Dianne Feinstein, da Califórnia, deveria ter tentado
concorrer à Presidência, e não Hillary Clinton.
O que
precisamos aprender é como exercer a liderança e nos comunicar com as pessoas
sem que nos sintamos diminuídas, da maneira como a Hillary Clinton faz. Ela é
estridente, irritante, sempre sorrindo, sorrindo, sorrindo. E é mal-humorada,
tola – o oposto do que queremos de um líder. Continuar a impulsioná-la vai
atrasar a evolução feminina em décadas.
Quais as
perspectivas femininas para as próximas décadas?
Eu vejo
um mundo muito instável à frente, tanto política como economicamente. Acho que
essa maneira de encarar as coisas baseada em gêneros está errada. É como se as
mulheres tivessem respostas para tudo. E, se não estão felizes, a culpa é dos
homens. Temos de
olhar para a natureza da vida moderna, para o nosso isolamento psicológico,
para essa quebra da família tradicional, transformada em pequenos núcleos. Tudo
isso resulta em ansiedade.
As
mulheres sentem que têm de ser essas pessoas bem-sucedidas, tudo na vida delas
tem de estar relacionado com o poder feminino, com “encarar obstáculos”. É um
modo de vida muito estressante.
E ainda
há a questão não resolvida de como conciliar carreira e vida pessoal. Por que
isso continua a ser um sofrimento?
O
feminismo cometeu o engano de tentar reduzir a vida feminina às conquistas
profissionais. Uma coisa é exigir que se retirem as barreiras para o avanço
social das mulheres e que se ofereçam a elas oportunidades, promoções, salário
etc. Outra é supor que essas conquistas suprirão as demandas da vida pessoal –
não suprirão.
Questões
pessoais são de uma natureza diferente das profissionais: têm a ver com sexo,
procriação e viver a vida. Essas feministas anglo-americanas dos anos 60 têm
uma visão mecânica do que é viver. Há ainda um grande problema com o sistema de
carreira moderno.
O modo de
progredir profissionalmente faz com que seja difícil para elas lidar com os
homens em pé de igualdade. A mulher precisa ter uma vida dupla: ser ambiciosa e
dominadora no escritório, mas adaptar-se em casa para ser sexualmente desejada
e emocionalmente carinhosa.
Minha
prioridade sempre foi esta: temos de parar de culpar os homens e começar a
olhar o sistema e as mudanças ocorridas no trabalho e nos lares no último
século.
Quais
seriam as transformações mais significativas?
Uma das
que mais merecem atenção é o isolamento feminino. As pessoas amam ter privacidade,
ter sua própria casa. O resultado disso é uma quantidade tremenda de trabalho
doméstico que recai sobre as mulheres e do qual elas têm de dar conta sem a
ajuda de outras mulheres.
Não muito
tempo atrás, as pessoas viviam em uma espécie de tribo, em que umas olhavam
pelas outras. Minha mãe se lembra disso em sua infância na Itália. As mulheres
reuniam-se, pegavam suas crianças e iam lavar roupa nas pedras. Havia uma
comunidade de mulheres, uma vida social construída a partir dessas atividades.
Hoje estamos
muito felizes com as nossas máquinas de lavar e secar, mas o que isso
significa? Isolamento total! A mulher está isolada, desconectada do mundo
feminino. Quando você é parte de um grupo, você sabe quem você é, não precisa
ir descobrir.
Recentemente,
a senhora foi criticada por declarar que as mulheres deveriam pensar melhor no
que vestem para não ficar tão vulneráveis. O que quis dizer?
Eu apoio
totalmente as mulheres que se vestem de maneira sexy. Mas quem faz isso tem de
compreender que sinais está enviando. Quando disse isso, estava me referindo às
garotas americanas brancas de classe alta, que frequentaram as melhores
universidades e terão os melhores empregos. Elas usam roupas sexy, mas seu
corpo está morto, sua mente está morta. Elas nem entendem o que estão vestindo.
Por que
esse diagnóstico se restringe às americanas?
Mulheres
na Itália, França, Espanha, Brasil e outros países da América do Sul comunicam
melhor sua sexualidade, estão mais confortáveis com seu corpo. Afro-americanas
também sabem fazer isso. Mas as mulheres americanas brancas que estão cursando
as melhores universidades… oh! Bom, você deve se lembrar de Sex and the City.
Elas são espertas e ambiciosas, mas vivem uma situação em que fazem sexo com
uma incrível quantidade de homens e de repente é o homem quem escolhe com quem
vai ficar e quando é a hora de casar. E, quando resolvem casar, querem as de 20
anos. É muito difícil. Antigamente não se fazia sexo antes de casar. Mas hoje…
as mulheres são tediosas.
Tediosas?
Quando eu
vou a Nova York vejo essas mulheres nas ruas: bem cuidadas, lindas,
bem-sucedidas, graduadas em Harvard, Yale e… tediosas! Te-di-o-sas. Não têm
nenhuma mística erótica. Acho que o número de homens gays vem aumentando porque
os homens são mais interessantes do que as mulheres.
Onde elas
deveriam buscar a felicidade?
Bem,
achar que as mulheres profissionalmente bem-sucedidas são o ponto máximo da
raça humana é ridículo. Vejo tantas delas sem filhos porque acreditaram que
podiam ter tudo: ser bem-sucedidas e mães aos 40 anos. Minha geração inteira
deu de cara com a parede. Quando chegarmos aos 70, 80 anos, acredito que a
felicidade não estará com as ricas e poderosas, mas com as mulheres de classe
média que conseguiram produzir grandes famílias.
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