Ela Se Foi...


Nas poucas imagens da minha tenra infância que trago guardadas em minha memória, vejo minha mãe, sentada a sua antiga máquina de costura e na feira em Terra Nova, vendendo comida. Eu, abrigado na pedaleira da máquina e/ou embaixo da barraca de comida, sentia-me seguro e tranquilo, pois, tinha sua companhia aonde quer que estivesse.

Apesar da grande prole (14 filhos e filhas), era assim que nossa superprotetora mãe agia com todos, sem distinção. Todos os seus filhos eram únicos, e não importava se eram crianças, adolescentes, jovens ou adultos, ou se eram casados, solteiros ou descasados, a preocupação e cuidados sempre foram os mesmos.

Mulher de fibra!

Os anos se passam, as experiências se amontoam, e as circunstâncias da vida vão lhe conduzindo num emaranhado de decisões, onde sempre colocava seus filhos, filhas e marido em primeiro lugar. Foi uma vida sacrificial.

Minha mãe foi uma jovem, como outra qualquer, que desejava viver os sonhos juvenis de felicidade em sua realidade de vida adulta. E por isso, foi determinada na perseguição dessa tal felicidade.

Em seu existir D. Valda foi corajosa, quando acompanhou Cazildo; foi destemida, quando encarou o sacrifício de criar seus filhos e cuidar de seu esposo; foi ousada, quando encarou as ruas para ajudar nosso pai na busca pelo pão-nosso-de-cada dia; foi altruísta, quando, renunciando algo melhor que a vida poderia lhe dá, encarou se sacrificar em favor de outros (eu, meus irmãos e irmãs, e seu esposo); foi fiel, quando jamais fugiu dos compromissos que assumiu, mesmo a custa de tanta dificuldade e sofrimento.

Durante sua trajetória, ficou evidente seu forte exemplo. Minha mãe foi uma guerreira, brava guerreira. Sua família, suas crias, olhavam para ela e, com imensa admiração, festejavam a mulher terna, forte e de fé inabalável em Deus. Não a escolhemos. Foi Deus que nos deu esta mulher como esposa, mãe, avó e bisavó.

O tempo se vai, mas, não sem antes cobrar o preço pela existência difícil. Afetada por uma hipertensão crônica, sofre um AVC, paralisando parte de seu corpo; se vê sem seu parceiro de caminhada em 2013, e então, ela vai se transformando de superprotetora em superprotegida.

Apesar dos pesares, nossa mãezinha sempre se mostrou feliz. Mesmo com piadas de gosto duvidoso, ela se permitia sorrir, gargalhar, e encantar-nos com um espírito tão leve, livre e feliz.

O ano é 2021; o mês é junho;

Já a algum tempo víamos desenrolar na vida de nossa mãe o mesmo processo de quando perdemos nosso pai. A cadeira na frente da casa, na varanda, na sala e a cama… O ambiente inflamava em nós aquela forte sensação de déjà vu, e nos alertava para a necessidade de encararmos o inevitável. A vida foi se apagando diante de nossos olhos.

E assim, em seu quarto, ela nos deixou. Ela se foi… e tudo parou. De novo, o silêncio da morte se impôs naquele quarto.

Ela se foi e levou consigo aquele sorriso gostoso de ver e sentir. Ah, como era bom estar em sua companhia; na sala, olhando a vida passar diante dos seus olhos; no quarto, recolhida para seu soninho vespertino e noturno; na mesa de jantar, alimentando seu corpo frágil, desfrutando da companhia de seus filhos e filhas, e gargalhando. E como gargalhava.

As batalhas da vida nunca mataram a fé em sua mente e coração, nem mesmo a morte de alguns de seus filhos e marido, apesar da dor dilacerante, impediram nossa mãe de sorrir. O corpo abatido pela hipertensão crônica jamais teve o poder de cerrar seus lábios e calar sua voz para uma daquelas sessões de alegria explícita. Até mesmos eventuais deslealdade e abandono conseguiram aderir amargura a sua existência. Nossa mãe foi sinônimo de Fé, leveza, alegria e paz. A imagem mais forte.

Enquanto escrevo com dificuldades estas linhas, a sensação é de que ela ainda está lá, sentada em sua cadeira, olhando quem se aproxima, e sorrindo quando nos vê. Mas a dura realidade se impõe. Ela se foi e nos deixou vazios.

Em seu ocaso existencial, imóvel em sua cama, encostei meu rosto do dela e cochichei: “obrigado mãezinha por tudo que a senhora fez pela gente”. Nada mais a dizer ou fazer.

Gratidão aos filhos e filhas, netos e netas, noras e genros que, direta ou indiretamente, possibilitaram dar sentido a vida, no apoio, nos recursos e no trabalho dedicado ao cuidado de nossa mãe, com destaque para Ingrid e Mille (no suporte técnico equilibrado e dedicado).

Gratidão elevado a décima potência à Eli (amor dedicado em forma de cuidado ininterrupto e de sacrifício); à China (o servo fiel (China! mainha tá te chamando.) e superprotetor); à Cazil e Lucinha (Os esforços e a fé. Fé em mais um dia, mais um sorriso, mais uma alimentação, mais um respiro…).

Ela se foi e nos deixou órfãos. Porém, deixou também um legado, uma marca, que cabe a cada um de nós honrar e lembrar sempre. Somos irmãos e irmãs, filhos e filhas de Seu Cazildo e Dona Valdete. Ninguém no mundo, teve este privilégio.

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