UM CRISTIANISMO SEM CRISTO

A vinda de Cristo mexeu com as estruturas sociais e religiosas do mundo a partir do primeiro século. Uma sociedade acostumada com a ganância, o orgulho, o materialismo, a prepotência e a auto-suficiência, vê surgir entre os seus um homem que se comporta de forma totalmente distinta da prática comum. Ele traz uma forma diferente de perceber e viver a vida, onde a visão natural egoísta é deixada de lado, colocando em seu lugar, outros e melhores valores para a vida em sociedade. O que causava maior espanto era seu discurso (Jo. 7:46; Mt. 7:29; Mc. 1:22,27). Ele tinha pleno domínio do que estava falando e, além disto, não se assemelhava a nenhum mestre da época, pois, além da autoridade com que falava, seu comportamento coadunava com o que ensinava. Por esta razão, a despeito do que muitas denominações impõe para as pessoas hoje (Lc. 11:46), Cristo não fazia grandes exigências às pessoas, apenas desejava que acreditassem n’Ele como Filho de Deus e salvador do mundo, se arrependessem de seus pecados, acreditassem no perdão de Deus, aceitassem seus ensinos e seguissem seu exemplo de vida. Jugo suave, fardo leve (Mt. 11:30).

Foi esta visão que atraiu milhões de pessoas para o guarda-chuva do evangelho de Cristo. Fomos atraídos por suas palavras, suas obras e suas promessas. Formalizado este movimento, ficou comumentemente conhecido como cristianismo, ou seja, o conjunto dos seguidores de Cristo que buscam evidenciar na prática, seus ensinos e suas obras, testemunhando, voluntariamente, que os princípios e valores de Cristo serão radicalmente buscados e preservados, ainda que com risco de perseguição e morte (Fp. 1:21). Os cristãos do primeiro século nos concede seus maravilhosos testemunhos, pois muitos tiveram suas vidas ceifadas apenas pelo fato de não abrirem mão de sua “verdadeira” conversão à Cristo (ex.: At. 5:59). Para a sociedade secular ficou a constatação de que nem o fogo, nem as feras, nem as prisões eram capazes de fazê-los desistir. Para os governantes a resignação de que a fé deste povo não podia ser negociada, comprada, corrompida ou interrompida (Lc. 1:17; Jo. 1:12).

Quando Cristo manifestou-se entre nós, a estrutura religiosa da época se mantinha apenas pelo benefício que atraía do sistema de governo político secular e das benesses advindas da exploração da fé das pessoas, haja vista que, sua existência se justificava como forma de exercício do poder, ganho de riquezas e controle social do povo religioso. Firmados no cumprimento da “lei”, estavam os sacerdotes acomodados na função de representantes de Deus, mesmo quando já tinham esquecido e deixado de lado a essência e os propósitos estabelecidos por Ele para a função sacerdotal (At. 5:53). Deixaram de representar um meio para se tornarem um fim em si mesmos. Daí, à proporção que ministravam no templo, se afastavam e afastavam cada vez mais as pessoas de Deus, aproximando-as do formalismo e do legalismo, apenas com a intenção de manter seu status quo.

Cristo rompe com esta estrutura, conclamando, também, os "representantes de Deus" para ouví-lo como Filho de Deus, porém, eles não lhe deram ouvidos. Nas oportunidades que tiveram de contatar Cristo, colocavam armadilhas nas questões suscitadas, apenas na tentativa de demonstrar ao povo que Cristo não sabia nada sobre Deus, sobre as escrituras, sobre seu povo e sobre a vida, e, portanto, não era quem dizia ser. Era a tentativa desesperada de, diante do Filho de Deus, demonstrar que eles, sim, eram os legítimos representantes de Jeová (Mt. 16:1; Lc. 10:25; Lc. 20:19,20). Destaque-se que eles se comportavam não como “representantes”, e sim, como “proprietários” de Deus. Esta é a razão porque Cristo os tratava de forma tão dura. Diziam conhecer o Pai, mas não reconhecia o Filho. Jesus disse: “quem conhece o Filho, conhece o Pai” (Mt. 11:27; Jo.14:9), daí, quem dizia conhecer o Pai não teria dificuldade em reconhecer o Filho. Mas eles estavam cegos e corrompidos pelo secularismo, o que fez com que Cristo os tratasse como mereciam: “raça de víboras”, “hipócritas” e “sepulcros caiados” (Lc. 11:39).

Quando comparamos as estruturas religiosas atuais, que dizem representar Cristo, com os ensinos e a vida de Cristo, inúmeros problemas aparecem. Ostentação, riqueza, grandeza, vaidade, separação, business. Grande número de igrejas vinculadas (presas) e subordinadas a uma matriz, quando a determinação de Cristo aos seus discípulos foi de que deveriam sair, de dois em dois, para proclamar o evangelhos à todas as gentes, ou seja, estavam livres para cumprir a sua missão (Mc. 10:42). Pastores presidentes vitalícios e hereditários, quando Cristo chamou pessoalmente doze discípulos, dando condição a cada um deles de exercer o ministério para o qual o chamava, sendo assim, a substituição é natural e salutar, além disto, quem se mantém na vitaliciedade de um cargo presidencial pastoral, demonstra nas entrelinhas, que acredita ser o único escolhido por Deus, e que sua linhagem é a única tribo capaz de conduzir aquele povo para Deus (Lc. 10:2; 1 Co. 3:5-7). Nada mais insano. A utilização dos recursos financeiros primária e principalmente para manutenção da estrutura que envolve as funções sacerdotais, quando Cristo determinou que pegasse a moeda da boca do peixe e pagasse os impostos por Ele e pelo discípulo (Mt. 17:27). Não vou falar sobre Malaquias que diz, “trazei os dízimos à “Casa do Tesouro”, para que não falte mantimento na minha... ”Casa”... do Tesouro (acrescento aqui). As irreverentes reuniões religiosas, que costumeiramente chamamos de culto, que se presta a tantas coisas, menos a adorar a Deus e anunciar o seu santo evangelho, enquanto Cristo testifica, “este povo se aproxima de mim de boca, me honram de lábios, mas seus corações estão distantes de mim” (Mt. 15:8). A disputa por templos, organizações, dinheiro e posição, quando Cristo chama os seus discípulos e diz, “Não seja assim com vocês, quem quiser ser o maior, seja o menor e servo de todos” (Mt. 20:25-27). Gente sustentada pela igreja que se permite ter carro de luxo (poderia ter um carro mais simples e com a sobra ajudar alguém - 1 Jo. 3:17), casa de praia, chácara, roupas de grife, anéis de ouro (Mt. 10:9), enquanto Cristo enfatiza o cuidado com aquele que está sentado ao lado ou na frente, o pobre que está nu, que está com sede e com fome, o que está preso, o que está enfermo (Mt. 7; Ef. 4:28).

Realmente o cristianismo de hoje não consegue cumprir com os mandamentos de Cristo, e como conseqüência, produz cristãos diferentes de Cristo. Gente que não consegue empobrecer seu espírito para que possa receber por herança o reino dos céus; que não consegue chorar; que não consegue andar duas milhas, quando lhe pedirem para andar uma; gente que não consegue se amansar e virar o rosto quando for ofendido; gente que não busca a justiça, preferem a vingança; gente que não consegue respeitar o outro; que não consegue desenvolver o amor altruísta; que não consegue obedecer; que não consegue controlar a língua e voltar os ouvidos para ouvir; que não consegue ceder ou se submeter em favor da paz; que não consegue perdoar; que não consegue viver em paz consigo mesmo e com o outro (Mt.5).

Que cristianismo é esse que se afasta dos ensinos práticos de Cristo? Que cristianismo é esse que valoriza o templo, invés de valorizar as pessoas? Que cristianismo é esse que valoriza o misticismo, os mistérios, invés de valorizar a revelação da Palavra de Deus? Que cristianismo é esse que valoriza a fama, a fortuna, o destaque, a celebridade, quando deveria valorizar os simples? Que cristianismo é esse que valoriza as festas, quando deveria valorizar o funeral? Que cristianismo é esse que valoriza o "oba-oba" invés da contemplação? Que cristianismo é esse que valoriza as palavras dos sábios deste mundo, quando deveriam valorizar e priorizar as palavras de Cristo?

As denominações cristãs de hoje tem um grande desafio: ou se afastam do secularismo, do materialismo e do misticismo, ou continuarão se afastando de Cristo de tal forma que se tornarão como “sal insípido, que para nada mais presta, senão, para ser lançado fora, e ser pisado pelos homens” Mt. 5:13).

Comentários

Cleovaldo disse…
Ufa! Quase pensei que você tinha se perdido. Qual nada. Continua o mesmo servo de sempre. A mesma mente de Cristo: agudamente afiada, perspicaz, que pressente a essência do evangelho.
Quanto a mim, tive que ser um Dietrich Bonhoeffer . Mas vejo que restaram mais oito mil que não se curvaram, e nem se curvarão.
A paz.
ELIEL BARBOSA disse…
Meu caro irmão e amigo,

Eu também pensei que tinha me perdido. Na verdade, ainda não me encontrei. São 29 (vinte e nove) anos vinculado, atrelado, subordinado. A liberdade me assusta, confesso, pois ela coloca sobre mim uma série de responsabilidades que me serão cobradas apenas por Deus. Mas, tenho que seguir. O pulo no escuro exemplifica bem a fé em Deus. Pois é. Estou no vácuo. Só me resta confiar n'Ele.
Fique bem irmão...
Fique com Deus.

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